quinta-feira, 6 de maio de 2010

Parábola da Dor




PÁRABOLA DA DOR
(POEMETO ROMÂNTICO)

Para Vilela de Abreu

Anoitecia,
        a Dor saíra em
de um peito onde ficasse agasalhada.

Êxtase. Paz. Enlanguescida e fusca,
a luz do poente iluminava a estrada...

Depois de muito andar, à beira do caminho,
avistou um ancião a meditar sozinho,
sobre uma pedra.

        Aproximou-se e disse-lhe:
                                “Homem,
eu vaguei no mundo a procurar um peito amigo,
trago rotos os pés!
Por tua compaixão, dá-me um abrigo,
...eu sou a Dor... e tu, homem, quem és?”

E o homem levantando a fronte encanecida,
respondeu:
        “Sou filósofo, sou pobre,
e vivo a vida de pensar na vida.
Mas, se queres um abrigo
para o resto de vida que me sobre,
podes morar, podes viver comigo...
És igual, para mim, q qualquer bem terreno:
- se tens outro sabor, tens o mesmo veneno
que todos eles têm!
E eu que tenho o viver já quase findo,
sem um dia de glória e sem um dia
de prazer, acredito que a alegria
é uma maneira de sofrer sorrindo!...

Portanto, Dor, se queres um abrigo,
podes morar, podes viver comigo.”

“- Não, disse a Dor, os pensamentos teus
são céticos demais, não fico – adeus!”

Partiu,
Era já noite feita. A lua,
como a Vênus dos astros, seminua,
bailava na amplidão...

         Não muito longe,
a Dor viu um mosteiro e, junto á porta
de entrada, um velho e solitário monge.
Mendigou-lhe pousada, e o religioso
acolheu-a dizendo

        “- Entra em meu peito.
Serei, trazendo-te comigo, venturoso
e, chorando por ti, serei perfeito!
Tu serás minha glória, minha cruz.
Jesus, o Mestre, te adorou. E um dia
foste a glória sublime de Jesus!...

Tenho meu peito aberto para te acolher,
bem sei, és-me uma glória imerecida:
- feliz daquele que encontrar na vida
uma oportunidade de sofrer!”

A Dor tudo escutava. E o franciscano
concluiu a dizer:

        “Em ti, encontro
a divina razão de ser humano!”

“- Não, disse a Dor, os pensamentos teus
são divinos demais, não fico – adeus!”

E a Dor seguiu, a passo.
        À claridade
da lua, pôde ver ao longe uma cidade.
Alcançou-a, depois de alguns momentos.
A cidade dormia. E a Dor, perdida,
foi pelas ruas, caminhando ao léu...

Afinal, encontrou numa avenida
um moço que, deitado sobre uma banco,
de olhos serenos, contemplava o céu.

“- Jovem, eu sou a Dor, e vivo em busca
de um peito humano que me ceda abrigo.
Por esta noite, ao menos, dá que eu possa
ficar contigo.”

“- O que estás a pedir-me, disse o jovem,
é um sacrifício para mim, no entanto,
meu coração de moço não resiste
à tristeza de alguém sem ficar triste,
nem poder ver alguém chorar, sem ter desejos
de lhe enxugar o pranto!
Se queres, pois, um agasalho, então,
um agasalho encontrarás
em meu coração!

Que me faças sofrer mesmo a todo momento,
unicamente anseio
à glória de ter sempre, em meio sofrimento,
uma frase que abrande o sofrimento alheio!

E a Dor, emocionada, exclama, então:
        “- Sublimes
e humanos são os pensamentos teus!
e eu não conheço verbo que resuma
o que em frases simplíssimas exprimes.
Extraordinário jovem, tu és, em suma,
um corpo humano onde palpita um deus!
Concede, agora, que eu te beije os pés.
Que de teu peito, para mim aberto,
faça a minha morada predileta...
... E, todavia, inda não sei como és.”

E o moço, erguendo para os céus o incerto
e vago olhar, responde:

        “Eu sou poeta!”


(Ferreira Gullar)